Abas

domingo, 10 de maio de 2015

o "acontecer"

Eu não tenho medo do futuro, só um leve receio de passar na frente do acaso e inibi-lo. É que sou devota das entre-linhas e da habilidade que a vida tem com os sustos, esse talento de curar, inesperadamente, os soluços. Não sei você, mas comigo é sempre a mesma coisa: o acaso vem, eu me fissuro. Vivo-o como quem decifra recados, numa admiração sem fim. E, mesmo sem fim, no fim, resto-me sentada no meio fio da indecisão, entre a sonolência e insônia, entre o bom-censo e a aventura. A aventura que arranca pedaços de sim. O bom-sendo que arranca pedaços de mim.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Leiga

Ela não conhece o lado de lá da lua,
a pulso o lado de cá da rua.
Mal sabe o que são lados
só o bem e o mal,
esse ultimo de terem falado.
Decora ditados, mas nunca conversa.
Não vive de regras, nem bate testa.
Sem receios, sem dúvidas,
nem anseios, nem curvas.
Ela só vive de viver.
Nem nada falta, nem nada preenche.
                                                   
                             
                                                     Júlia Carvalho


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Andorinha

O universo, mesmo infinito,
não é celeste depois do céu.
As palavras, mesmo finitas,
só acabam depois que transbordam e molham o pé de quem a gente ama.
A gente é isca
a vida é peixe: escorregadia e sem pálpebras.
Vida não dorme,
só balança.
Quando não derruba, nina a gente em seu colo.
Somente os bichos sabem para onde vão.
Afinal, passarinho canhoto não voa torto.
E uma andorinha só diz: vocês verão.


Júlia Carvalho