Abas

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Assovio

Assoviar pra mim era como andar de bicicleta: algo que todo mundo aprenderia. Como um marco mesmo, algo natural, como a chegada da puberdade ou a primeira menstruação. Se bem que naquela época eu não sabia o que era menstruação. Aprendi primeiro a asssoviar. Não lembro exatamente em qual pedaço da infância, mas não foi muito tarde. Realizava, enfim, o sonho do instrumento próprio. Algo pra chamar de meu. Eu tinha o meu assovio. E eu assoviava tudo. Vovô proibiu de assoviar de noite. Eu não queria ser responsável por chamar as cobras. Me contive. Até hoje meu pai me reclama quando assovio. Ele diz que é sinal de ansiedade. Já brigamos sério por causa disso e eu continuou assoviando quando fico agitada. Hoje eu tive vontade de assoviar no meio de uma reunião de trabalho, dentro do uber, na sessão de terapia. Talvez meu pai esteja certo, mas a censura dele também me faz respirar com dificuldade. Assoviar faz mais bem que mal, aposto. É colocar o de dentro pra fora em forma de música. Faz mais bem que mal, aposto alto.

[assovie sua música favorita aqui]

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Da vida 
Só resta existir
E lidar
Por que fora existir
Só existe existir 
E viver é atravessar o pra sempre 

Só resta estar devagar  
Em cada lugar
Sem prever o sentir

Viver é se distrair 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Lembro muito dos momentos de desabafo de uma das minhas professoras do ensino fundamental. Quando a turma já não deixava um fio de silêncio sobrar ela relaxava a testa e endurecia a boca em palavras ainda mais duras. Mas antes disso, ela abandonava o quadro e, sentada na mesa, esperava de cada aluno fosse se tocando da sua ausência ali, estátua. Ela começava sempre com: 

vocês não tem noção de como a vida é difícil 

Era uma estratégia manjada que entrava surda em nossos ouvidos de criança. Mas num dia especifico suas palavras de sempre me chamaram a atenção de nunca. O que será esse difícil que ela tanto fala? Será dinheiro? Filhos? Perder nossos pais? Ela nos dava ali um spoiller inútil sobre a vida. Inútil não só porque a gente não ligava. É que tem coisas que só sentindo na pele. Aquela pele de criança já sofria, mas não dessas misteriosas demandas da maturidade. Mas apesar de tudo, naquele dia eu me concentrei na certeza de que ela tinha razão. Ela era adulta e já tinha problemas reais. Eu guardei aquele recado e por muitas vezes eu pensei: há de chegar o dia em que a vida vai apertar, eu vou resolver numa boa e eu vou lembrar que minha professora na real só não sabia lidar com os problemas. 

Pró, desculpa. Você tinha toda razão, mas não ia adiantar muita coisa prestar mais atenção do que eu prestei no seu discurso. É que viver a vida é de fato aquele clichê dos bando de degrau. E que um leva pro outro. E a gente vai subindo e subindo, crescendo e crescendo. Vez em quando a gente é obrigado a subir dois, três de uma vez. Dá um trabalhão. Mas, conseguindo, a gente chega ainda mais alto. Me desculpa por ter sido um degrau difícil nas suas aulas. Eu realmente conversava pra caralho. Bem provável que em relação ao domínio da sala você esteja nesse mesmo degrau até hoje, afinal, os alunos estão cada vez mais difíceis. Mas liga não, aqui da vida adulta eu te garanto, uma hora a gente sente na pele.







sexta-feira, 9 de novembro de 2018

terça-feira, 6 de novembro de 2018

água


Zé disse que eu sou água. 
Eu achei isso a coisa mais linda de se ouvir. 
Zé disse que eu sou muita água. 
Eu me senti um banho.
Me senti um lago morno. 
Lago não. Eu não sou água parada.
Mas também não sou mar. 
Sou água doce. 
Que oscila menos que maré. 
Sou guiada por fenômenos mais cumpridos e barulhentos. 
Como chuva de trovão.
Acho que sou rio.


segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Queria te pedir em coragem
Pra respirar todas as vezes
Pra deixar estar
e assim ser 
Queria te pedir em coragem