Abas

domingo, 22 de setembro de 2013

enGULA

Comeu da curiosidade
e foi comida.
Carcomida.
E roída por querer
saber.

Hilza de Oliveira

sábado, 21 de setembro de 2013

Os trouxas do pano

O capitalismo é um tecido que não se rompe.
E cá estou eu já falando de produto têxtil, veja só.
A gente nasce é nu.
Pelado, pelado.
Aí vem uzômi e põe tanga em nossas vergonhas
— como mal disse Pero.
Uma vergonha é isso tudo.
Roupa a gente usa no frio, que é quando precisa.
Mas aí me vem uzômi querendo introduzir calça jeans
num país tropical e bonito por natureza!
[Pelado, pelado! Nu!]
Onde faz 40ºC durante 365 dias e 365 noites!
É de chorar um dilúvio com um negoço desse...
E toda luta soa vã e ilusória.
Tem gente que tenta dar elasticidade a esse tecido,
de modo alternativo e até um pouco conformado
de que é impossível desatar essas amarras.
Dessa trouxa de pano com todo mundo dentro.
Que trouxas somos nós...
Caímos na história do velho do saco que
prometeu dar doces e nos transformou em sabão.



[Eu acho que esse texto ainda não está lapidado e que merecia uns (muitos) reparos e melhoras, mas vai assim mesmo. Me sinto feliz de ter enxergado o efeito dessas coisas sobre o mundo, de não mais estar alheia ao pensamento sobre elas. A universidade me abriu os sentidos para pensar,  assim como o contato com gente e também a minha própria percepção. Estou feliz, mas estou triste e, assim como Charlie, ando me perguntando como isso é possível.]

Hilza de Oliveira

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Nem sempre. Vez em quando.

As vezes a gente começa com o "as vezes" e as vezes a gente nem começa. Porém não são todos os dias em que conseguimos arrancar poesia do que passa desatento cotidianamente aos nossos olhos . Não são todos os dias em que enxergamos partituras nos fios dos postes ou simplesmente observamos a paciência do cobrador de ônibus. Não são todas as manhãs que encontramos senhoras caminhando com um terço em mãos. Nem todas lhe encaram timidamente na esperança de receber um bom dia, mas quando ele vem,  ela volta a se concentrar em suas ave-marias mais embaladamente. Não são todos os dias que encontramos um cachorro deitado nas entrelinhas de sombras de um viaduto, exposto a uma única de sol, absorto, olhando pro céu com os olhos semiabertos. Nem sempre ele sorri. Nem sempre ele lembra da língua insistente que carrega na boca. Também não são todos os dias que alguém se preocupa em acordar uma figura cansada no ônibus para que ela não perca o ponto. Alias, não é todo dia que você dorme no ônibus. Tem dias que a rotineira volta pra casa vira passeio. O intervalo vira recreio. E a gente passa a ver o trânsito como uma grande oportunidade de criar historias e tirar cochilos.