Abas

sábado, 24 de novembro de 2012

Pés e passos


Que os meus pés, antes de chegar ao chão, sejam aparados pelo seu olhar. Me desvie, não quero deslizar. Com esse mesmo olhar, de quem lê, percebe e adivinha, enxerga além das minhas duas bolotas bem pretas jabuticaba. Decifra minha consciência, ri e se cala. E eu, pobre de mim, acho que estou causando estrago, sentindo-me verdadeiramente má, mas você tem certeza que não. Me derruba, me contorce de tal maneira que nem me dou conta. A cidade inteira a saber, bairros de A à Z, que eu já não sou a mesma. Eu fico descalça, eu confio em você!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Saga de uma flor


   A garota passeava sobre seus sapatos de laços desamarrados pelo grande jardim, onde as pessoas brotavam, cresciam e se reproduziam como flores. Ela sempre encontrava mães perto dos pântanos segurando suas crianças, via homens cavando a terra com suas raízes violentas e velhos carvalhos contando histórias para as rosas que sentavam à sua volta. Esta pequena menina atendia por Dolores ou Lô, como era chamada por sua mãe. Procurava nesse jardim uma função, ela não sabia se enterrava suas raízes e fazia fotossíntese, como o resto dos moradores dali, ou se partia para plantar suas sementes em outros paraísos. Não entendia como, apesar de todos ali viverem em harmonia, muito felizes e satisfeitos, lhe aconselhavam a partir para longe. O que havia de tão entorpecedor lá fora? O mel das abelhas de lá é mais doce? Há mais sombra e água cor de céu? Dolores olhava para o horizonte todo fim de tarde e olhava o sol se pôr atrás da colina colorida, o que havia lá atras além de um sol guardado? Via-se o clarão subir por detrás da elevação, ela imaginava muitos vaga-lumes dançando o Bolero de Ravel. Vaga-lumes de luz verde, daqueles que moravam dentro do fogão a lenha de sua vó, onde o fogo não queimava, só aquecia. As luzes lhe chamavam, ela ouvia musica sair dali, apesar do vento não soprar muitos ruídos pro lado de cá. A música da colina chamava Lô como uma Iara chama os pescadores pro fundo do mar, não tinha outro modo de ser. Lô arrumou todo seu pólen dentro de suas pétalas e atravessou o portão do seu paraíso, o resto ela ainda não contou a ninguém.

Júlia Carvalho