Abas

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Lembro muito dos momentos de desabafo de uma das minhas professoras do ensino fundamental. Quando a turma já não deixava um fio de silêncio sobrar ela relaxava a testa e endurecia a boca em palavras ainda mais duras. Mas antes disso, ela abandonava o quadro e, sentada na mesa, esperava de cada aluno fosse se tocando da sua ausência ali, estátua. Ela começava sempre com: 

vocês não tem noção de como a vida é difícil 

Era uma estratégia manjada que entrava surda em nossos ouvidos de criança. Mas num dia especifico suas palavras de sempre me chamaram a atenção de nunca. O que será esse difícil que ela tanto fala? Será dinheiro? Filhos? Perder nossos pais? Ela nos dava ali um spoiller inútil sobre a vida. Inútil não só porque a gente não ligava. É que tem coisas que só sentindo na pele. Aquela pele de criança já sofria, mas não dessas misteriosas demandas da maturidade. Mas apesar de tudo, naquele dia eu me concentrei na certeza de que ela tinha razão. Ela era adulta e já tinha problemas reais. Eu guardei aquele recado e por muitas vezes eu pensei: há de chegar o dia em que a vida vai apertar, eu vou resolver numa boa e eu vou lembrar que minha professora na real só não sabia lidar com os problemas. 

Pró, desculpa. Você tinha toda razão, mas não ia adiantar muita coisa prestar mais atenção do que eu prestei no seu discurso. É que viver a vida é de fato aquele clichê dos bando de degrau. E que um leva pro outro. E a gente vai subindo e subindo, crescendo e crescendo. Vez em quando a gente é obrigado a subir dois, três de uma vez. Dá um trabalhão. Mas, conseguindo, a gente chega ainda mais alto. Me desculpa por ter sido um degrau difícil nas suas aulas. Eu realmente conversava pra caralho. Bem provável que em relação ao domínio da sala você esteja nesse mesmo degrau até hoje, afinal, os alunos estão cada vez mais difíceis. Mas liga não, aqui da vida adulta eu te garanto, uma hora a gente sente na pele.







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